Manhã cedo saltei da cama e fui ver e fotografar o nascer do sol, que se anunciava "limpo" por limpo estar o céu. E ele lá apareceu, como de costume sobre o mar, "entalado" algures entre a ilha indonésia de Wetar e o cabo Fatucama, em Dili, onde está a estátua do Cristo-Rei erigida pelos indonésios. Eram 6h51m.
Depois foi o tempo de acabar de me arranjar e "matabichar" antes de ir buscar os meus primos timorenses de Melbourne, ela, a Teresa, sobrinha directa do Vô Serra.
8h30m, mais coisa menos coisa estavamos a partir.
Íamos nós na zona de Comoro, já a caminho de Tacitolu quando demos com um acidente de trânsito que devia ter ocorrido poucos minutos antes: uma motorizada estava em contramão debaixo da frente de um jeep militar e o seu condutor estava no chão, previsivelmente já morto... O pão nosso de cada dia... Por mais campanhas que se façam, os acidentes deste tipo são constantes, na maior parte dos casos por culpa dos motoqueiros, inconscientes. Que Maromak cuide deste jovem, aparentemente na casa dos vinte e poucos anos... :-(. R.I.P.
Adiante.
Na zona de Tibar parámos para comprar peixe para levar ao vô Serra; só o come quando o levo pois na montanha não conseguem obter peixe fresco. Uns atuns pequenos, fresquíssimos, devem estar a fazer a delícia dele e dos vizinhos.
E preparei-me para enfrentar uma das piores partes do percurso devido ao péssimo estado da estrada, com vestígios desta no meio de tanto buraco... :-)
Ora, qual não é o meu espanto quando verifico que a maioria dos buracos foram tapados recentemente. Então não o podiam ter feito há mais tempo, seus malandros?!...
O que é facto é que a estrada melhorou bastante. Mas continuam as obras entre Liquiçá e Maubara, agora concentradas muito perto da lagoa de Maubara. Quando terminadas, a estrada naquele troço deve ficar em condições e, finalmente (espero...), arranjada por vários anos.
Muitas das obras são de construção de pequenas pontes para darem passagem às águas pluviais de algumas pequenas ribeiras que até agora, quase sem escapatória, acabavam por "corroer" os fundamentos da estrada e contribuir para a sua degradação.
E lá prosseguimos a caminho de Maubara, primeiro, e de Vatuvou, onde mora o vô, depois. Em Maubara, por ser sábado, era dia de mercado e a animação era a usual. Como já eram 9h30m algumas das pessoas já começavam a fazer o percurso a pé a caminho de suas casas, algures na montanha. Esperava-as, em muitos casos, uma caminhada a corta-mato e/ou na estrada de algumas horas... O terreno é íngreme e duvido que a velocidade média de muitas das pessoas, uma boa parte delas já com muitos quilómetros em cima das pernas devido à idade, seja superior a uns (magros) 2kms/hora... Recordo um pequeno grupo que encontrámos no início da subida e que vimos 1h30m depois, na nossa descida, que não teria andado mais de uns 2-3 kms... Quase todos do grupo eram mulheres e crianças... Os homens andam de motoreta... Mas todos com qualquer coisa à cabeça, mesmo uma criança que não deveria ter mais que uns 8-9 anos.
E ao escrever isto lembrei-me dos quadros de um pintor que vi em João Pessoa, capital da Paraíba, no Brasil. As figuras humanas tinham todas umas pernas muito grossas, como se sofressem de elefantíase. Indagado sobre a razão do aspecto de todas as pernas dos figurantes, a resposta saíu rápida e lógica: "eles são 'retirantes' e por isso têm muitos quilómetros nas pernas e quis retratar esse esforço alargando desmesuradamente as pernas!".
Em certo sentido os timorenses das montanhas são, também eles, "retirantes". No Brasil o nome é dado às populações, normalmente famílias inteiras, que usualmente por causa da seca nos seus locais de residência, se vêm obrigados a abandoná-los e tentar a sua sorte noutras paragens, fazendo dezenas de quilómetros a pé, estrada fora!... Os timorenses "não votam com os pés" mas, devido à falta de meios de transporte, fazem quilómetros e quilómetros a pé. Ou de casa para a escola, ou desta para casa, ou para ir ao mercado, ou para vir do mercado, ou para ir a uma consulta médica, etc...
Finalmente, uma hora e meia depois de deixarmos Dili, chegámos a casa do "vô". Ao som da buzinadela habitual, apareceu com o seu ar saudável e sempre bem disposto.
Euzinho, a minha prima Teresa Serra e o tio dela e meu "vô".
Repare-se o reflexo no espelho do seu habitual "rabo de cavalo".
Modernaço nos seus 82 anos...
O amigo de longa data e fornecedor de cachos de banana ao "vô", o sr. Tomás.
Dono de um respeitável bigode, fez questão de o "afiar" para posar para a fotografia...
Uma forma de artesanato em desaparecimento: de um pano branco (para toalha de mesa), as mulheres vão retirando fios até que fiquem desenhados os motivos desejados. Trabalho moroso, de uma paciência infinita e de uma enorme delicadeza...
E por ali ficámos cerca de uma hora à conversa até que chegou o momento da partida. "Cabeça de alho chocho" só então me lembrei de uma das razões principais da minha ida: entregar-lhe o passaporte dele, caducado, que trouxera para Dili para saber o que era necessário para o renovar. E o peixe!... O peixe!... Já me tinha esquecido também do peixe!...
Tudo entregue e dados os últimos abraços e beijos e com um "até qualquer dia! Até Outubro!..." enfiámo-nos todos no "Jaquim" e viemos "de escantilhão" estrada abaixo até Maubara.
Desta vez não foi preciso parar uns minutos para dar largas às necessidades orgânicas no restaurante do Forte de Maubara mas parámos para espreitar as lojas de artesanato. E, claro, incentivar a economia local... ;-). Este vício de economista e de "banqueiro central" de incentivar as economias locais anda a custar-me caro... ;-) Rsssss
Diálogo curioso foi o que se deu a propósito com um dos meus companheiros de viagem: "o meu sobrinho é da FRETILIN mas ontem foi na caravana da UDT porque ganhou uma camiseta e um depósito de gasolina cheio...". Sic. No comments...
Cartaz do PUN, com uma Fernanda Borges "resplandecente" no seu "sorriso Pepsodent"... :-)
(Ó Fernanda! Você não podia ter escolhido outro nome para o partido?!...)
Finalmente Dili e o almoço. Menu para hoje? "Strogonoff de frango com pimenta... à Taliban". Precisa explicar o nome?!... "La precisa"/Não precisa, pois não?!...Rssss
Claro que a decoração "à Taliban" foi minha... Mas a verdade é que nunca percebi porque é que os restaurantes não são mais criativos na apresentação dos seus pratos... Então este não merece estar, tal qual, em qualquer restaurante do Guia Michelin?!... Mas os copyrights são meus, meus meninos! Não se "estiquem"!... Tá?!...