"Com muito esperto no escabeça" :) e muitas viagens acumuladas ao longo de anos, sabia que se queria ver a paisagem na sua plenitude --- i.e., com o Tatamailau "reinando" sobre ela no seu esplendor --- teria de lá chegar antes das 10h, mais ou menos.
Porquê? Porque as nuvens que sempre aparecem na região parece que têm um relógio acoplado e por volta dessa hora começam a formar-se e a encobrir o "avô Lau". Por isso decidi sair de Dili bem cedinho, cerca das 7h30m da matina.
Depois de encher o depósito com gasóleo ("solar" por estas bandas), rumei a sul, pela estrada que sai de Dili por Lahane e o antigo palácio que foi residência do governador português e que hoje é palco de uma ou outra reunião ou evento.
Passado Lahane, segue-se em frente às curvas e contra curvas em direcção a Dare e, depois, sempre serpenteando pela montanha acima --- leva-se quase uma hora às voltas e voltinhas e a ver Dili cada vez mais em baixo (por estarmos cada vez mais alto...) ---, em direção a Aileu.
Pelo caminho duas surpresas (qual querem primeiro? a boa ou a má? :) ): uma é a de que, finalmente, começaram, ainda que um pouco a "medo" pois há poucas "frentes de obra", as obras de reconstrução (cum alargamento) da estrada, a principal via de ligação entre as costas norte e sul de Timor Leste; a outra é da de que... a estrada abateu num certo local e temos de rezar 3 Padre-Nosso e 4 Avé-Maria antes de nos ("nos" sou eu mais o meu e inseparável "Jaquim", claro!) abalançarmos a passar ao lado do buracão, fazendo-lhe quase uma "pega de cernelha".
Entretanto fui aproveitando para, tirando partido da manhã linda e límpida que estava, ir-me regalando com a paisagem que se pode observar de vários pontos da estrada sobre a zona de Dili e Ataúro.
E finalmente, ao fim de cerca de 1h e de 26 km a trepar, a trepar a montanha... ó pra ele! O Tatamailau lá ao fundo. E limpinho, limpinho (de nuvens), como eu queria.
Depois foi avançar para o local onde se deixa a estrada principal Dili-Aileu-Ainaro-Maubisse e se toma uma estrada secundária até ao vale de Seloi (Seloi kraik). A construção que aparece na imagem do Google Earth é um mercado (daqueles amarelos que abundam nas estradas do país) e a "nesga" de entrada na estrada, à direita, está quase escondida ao lado do mercado, no finalzinho deste. As coordenadas podem ver-se na imagem, em baixo.
Ainda hoje me roo todo porque ao fazer a curva de entrada na estrada para Seloi estava uma "ferik" (mulher de idade) sentada no chão de olhos fechados e de frente para o sol da manhã. Estava certamente a receber a sua energia... Não me perdoo por não ter parado para a fotografar... Seria um "prémio" como poucos... E não parei porque nestas ocasiões é vulgar as outras mulheres começarem a gritar para avisar quem está a ser fotografado. Como não quis correr o risco de a acordarem daquela sessão de "meditabundismo", fui em frente... Damned!... Como fazia o Mutley, o cão do aviador mais desastrado que alguma vez voou, Dick Dastardly?!...
E finalmente o vale de Seloi, com os seus arrozais e o seu lago. E o Tatamailau reinando sobre ele!
Missão cumprida! Tinha saído de Dili há 2 horas e tinha conseguido tirar fotos com o céu completamente limpo! Maravilha...
Como era cedo e tinha perguntado antes se a estrada entre Seloi e Gleno dava para passar com a "kareta" -- ao que me responderam que sim (um moço de moto que me tratou por Sr. Serra e ainda hoje não faço ideia quem foi... Rsss) ---, aventurei-me e meti o "Jaquim" pela estrada fora...
Mais à frente dei com um avô com seu neto que me confirmou que a estrada estava "passável".
Mais adiante dei com uma bifurcação e hesitei sobre qual estrada tomar: em frente ou para a direita? Foi quando reparei que ao fundo da estrada em frente havia uma pessoa e decidi ir até ela para me dizer qual o caminho para Gleno.
Eis senão quando sou verdadeiramente "assaltado" por cinco timorenses a dizerem que aquela era a estrada para Gleno e Ermera e a pedirem boleia! Ainda tentei levar os mais velhos e deixar os mais novos para trás mas foi "de balde"!... Quando dei por mim já estavam quase todos aninhados no banco de trás!... "Bora, Jaquim!..."
E lá fomos, cantando e rindo (pouco, que a estrada não estava para graças...).
Num destes buracos tapados com água demos um salto maior e só deu para ver a minha vizinha do lado agarrada ao pescoço a voar do banco!... Lá "aterrou" agarrada ao pescoço e eu perguntei-lhe, no meu melhor (rsss) tetum, se estava "moras" (doente; com dores). "Moras, senhor!", foi a resposta pronta, sempre agarrada ao pescoço, não fosse ele saltar do lugar ...
Mais à frente deu para descontrair mais um pouco e até tirei uma selfie e tudo...
Logo à frente um cabrito ("bibi") atravessou-se na estrada e brinquei tocando a buzina do "Jaquim" --- que faz um som parecido com "bibi"... --- e lá fui eu a buzinar e a dizer "bibi! bibi!...". Risota a bordo, claro! Devem ter pensado "Malae bulak!" ("estrangeiro maluco!")...
E foi assim que entrámos na parte alcatroada da estrada, em bom estado. Assim seguimos até Gleno.
Já perto desta cidade, a actual capital do distrito de Ermera, dei, numa curva da estrada, com a "aldeia do milénio" (dos "MDG-Milennium Development Goals") de Gleno, na margem direita da ribeira Loes, perto da prisão. São 262 casas pré-fabricadas (!) e, como se pode ver, encavalitadas umas em cima das outras (a 5-6 mts de lado e a uns 15 das da frente...) no melhor estilo das cidades satélites de Joanesburgo, como a famosa Soweto! Sem comentários.
Quando chegámos a Gleno, 17 kms depois do local onde dei boleia aos timorenses e a cerca de 19kms de Seloi Kraik, eram cerca das 10h30m da manhã e como se pode ver as nuvens estavam no horário... A começarem a aparecer sobre o Tatamailau, que cobriram pouco depois.
Em Gleno "alijei" a minha "carga" e dei meia volta para apontar a Tibar e a Dili.
O caminho agora não tem nada que saber... É apontar a norte e zás! No princípio da estrada, ainda perto de Gleno, há várias frentes de obra (de reconstrução da estrada até Tibar, nos arredores de Dili) um pouco mais atrasadas mas depois começa a passar-se por grandes percursos prontos para receberem o alcatrão ou já alcatroados.
Pena que o progresso tenha custado a vida a tantas árvores, algumas centenárias, certamente. Estão à espera de quê para plantarem outras semelhantes a uns metros da estrada?!...
E finalmente a paisagem paradisíaca da baía de Tibar, aqui mesmo ao lado de Dili
E quase 5h horas e 108 kms depois de partir, encostei o "Jaquim" e disse-lhe "agora vou eu almoçar enquanto descansas um pouco!..."