domingo, 29 de março de 2009

Lahane: um palácio de geometria variável...

Ao longo do tempo que temos estado em Timor Leste (desde Maio de 2000, quando lá fomos pela primeira vez para participar numa conferência com colegas economistas timorenses e portugueses) pudemos ir acompanhando várias das obras que se foram fazendo no país, mais concretamente em Dili, durante a fase da sua reconstrução após a autêntica política de "terra queimada" implementada pelos indonésios na fase final da sua presença em Timor: "fomos nós que fizemos os edifícios e por isso podemos queimá-los", diziam eles.

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Uma das obras que desde sempre chamou a nossa atenção foi a de reconstrução do Palácio de Lahane por ter estado a cargo de uma entidade portuguesa: a UCCLA-União das Cidades Capitais Luso-Afro-Américo-Asiáticas (leia-se: capitais dos países de língua portuguesa). Na prática, porém, foi a Câmara Municipal de Lisboa que iniciou o processo de reconstrução e o acompanhou até quase ao seu final. O sucesso desta na reconstrução do "Liceu Dr. Francisco Machado" prometia...

Não é minha função "meter o nariz" no processo de cooperação entre a UCCLA-CML e o Governo de Timor Leste e na forma "desconseguida" como ele terminou mas apenas recordar aqui, "visualmente", a evolução do palácio --- o "dito cujo" em si mesmo e não os seus anexos --- até ter a forma que hoje pode ser vista.

Permita-se-me, no entanto, que "pirateie" algumas fotos disponíveis na internet e relativas às origens do palácio e sua vida posterior até ao fim da administração portuguesa. Sei que há leitores nossos que sabem muito mais do assunto e relembro, por exemplo, uma 'entrada' deixada por Henrique Correia no TimorLorosaeNação ainda há bem pouco tempo (19 de Março). Aconselhamos o leitor a ir ler este texto.

Como se pode deduzir da foto abaixo o edifício começou (?) por ter apenas 2 torreões (com telhados piramidais) que delimitavam aquela que na ocasião era a fachada principal, virada a nascente.

Mais tarde a geometria do palácio foi alterada de modo a que a entrada principal passasse para o lado mais estreito do rectângulo, virado para a estrada que corre para sul. A solução foi construir um novo torreão octogonal que, com um dos já existentes, desse a imponência que se pretendia à (agora) nova entrada. Optou-se por não construir o telhado piramidal e, para assegurar a simetria, o do torreão agora à direita da entrada foi eliminado, restando o das agora "traseiras" do edifício. Este ficou, pois e pelo que se vê na foto abaixo, com 3 torreões, sendo que só um deles tinha o telhado piramidal.


Durante a administração indonésia terão sido introduzidas algumas, ligeiras, alterações, nomeadamente quanto aos anexos junto à parte de trás do edifício.

Testemunha ocular confirma que este terá sido o último edifício público de especial significado --- embora o Governador indonésio não residisse lá mas sim no edifício que é actualmente a embaixada dos Estados Unidos, na Avenida de Portugal (vulgo "dos coqueiros" ou "das embaixadas") --- a ser destruído pelas tropas indonésias em Outubro de 1999, imediatamente antes de se dirigirem para o porto a fim de embarcarem para a Indonésia. Foi só passarem o portão e... zás! Rebentaram com o edifício que teria sido, aparentemente, armadilhado para o efeito.

A foto abaixo ilustra o estado em que estava o palácio pouco depois de iniciadas as obras da responsabilidade da UCCLA. Note-se que as paredes interiores já tinham sido derrubadas com a excepção de uma, sensivelmente a meio do corpo do edifício, que acabou por ser também eliminada.

Isto é: parece ter-se optado, naturalmente em consonância entre a UCCLA e o Governo de Timor Leste, por usar o edifício não como residência oficial do Presidente da República --- aparentemente a intenção inicial --- mas sim como edifício destinado à realização de cerimónias protocolares, de "recepções".
É provável que a (apesar de tudo) relativamente reduzida dimensão do edifício tenha levado à alteração dos planos iniciais, desaconselhando o seu aproveitamento como habitação. Sabe-se que chegou a existir um plano, elaborado pelo GERTIL --- um gabinete de arquitectura da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa que funcionou durante alguns anos em Dili ---, para a reconstrução do edifício como habitação mas foi posto de parte em favor do plano elaborado pela própria UCCLA.
Este último previu a construção, na parte de trás do edifício e aproveitando o declive ali existente, da que será a verdadeira habitação oficial do Presidente da República.

A foto abaixo ilustra a opção tomada. O edifício foi completamente "esventrado" por dentro e construidas pequenas salas de apoio junto da entrada principal. Na foto ainda não se vê o quarto torreão, erigido posteriormente.
No lado direito do edifício seriam construidas instalações de apoio ao "trabalho de casa" oficial do Presidente --- as instalações principais de trabalho da Presidência da República foram oferecidas pela RPChina e estão em conclusão nos terrenos do heliporto, o antigo aeroporto durante a administração portuguesa.

O telhado, como se vê, é uma complexa "teia" de madeira que suporta as telhas.

Enfim, terminemos com o "antes" e o "depois":

5 comentários:

  1. Estive no palácio em 2006 e reparei com pena que tinham tirado as duas palmeiras-do- viajante que estavam na entrada (em 2003). Eram dois exemplares magníficos. Um crime.Parabéns pelo blog.
    Augusto Lança-Sines

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  2. Caro Lança,
    Confesso que não me lembro dessas palmeiras, tão usuais em Singapura (Palmeira de leque) e em São Tomé. Vou ver se tenho por aí alguma foto antiga onde elas figurem. Posso tentar saber a razão de as terem retirado.
    Estariam doentes?

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  3. Caro Professor:

    Obrigado por revelar aqui mais alguns pormenores importantes que ajudam a perceber a evolução desse edifício, que é dos mais vetustos em Timor.

    Parabéns pelas fotos e pelo trabalho de investigação que fez, que prova que ser professor é sobretudo uma atitude e uma forma de estar na vida, mais do que um título ou categoria.

    Não "sei" muito deste assunto. Não mais do que o Sr.. Apenas tenho curiosidade em perceber a evolução das coisas e este seu novo artigo é extremamente interessante.

    A foto de 1931 é muito reveladora. A casa tinha então um aspeto de pacato "chalé" de montanha, incrustado na encosta da montanha que mais tarde haveria de ser desbastada para desafogar a nova entrada principal. Depois é que lhe deram um ar mais solene, com a nova fachada principal classicista, mais erudita e monumental, e as escadas da antiga fachada principal correndo paralelas a esta e não perpendiculares, como dantes (a escada da fachada oposta e a das traseiras ficaram na mesma). Provavelmente, esta importante alteração foi realizada ainda antes da ocupação japonesa, dado que a arquitetura dessa época foi abundantemente marcada pela estética neoclássica nos edifícios públicos de Timor.

    A casa era originalmente orientada para Este-Oeste, com uma fachada larga. Por isso, o acesso aos compartimentos fazia-se por várias portas, dispostas lado-a-lado ao longo da indispensável varanda. Quem entrasse por uma das suas escadas teria assim acesso fácil e imediato a qualquer área da casa. Assim se explica a ausência de um corredor longitudinal interior no sentido Norte-Sul, que teria mais lógica se a entrada original fosse a atual, para dar acesso às sucessivas divisões de uma casa que se tornara tão estreita e funda depois da mudança na sua orientação.

    Os telhados piramidais originais eram muito diferentes, mais largos do que os torreões – e estes mais baixos, já que não tinham a balaustrada atual na parte superior.

    Na segunda foto a preto e banco (foto aérea) vê-se que um dos torreões originais permaneceu, coexistindo com os dois novos (o terceiro, na parte posterior direita). O edifício ficou assim até 1999, o que explica a ausência total de cobertura e balaustrada nesse torreão, na foto que mostra o edifício queimado - o telhado havia ardido e a balaustrada não existia neste torreão.

    A ideia atual de reviver os telhados nos torreões revelou-se ridícula, pois aqueles coexistem mal com as balaustradas, tendo que "meter-se" para dentro delas para não as tapar.

    No entanto, o edifício ganhou uma simetria que nunca teve e que só o favorece. É de facto uma casa com "geometria variável" e que foi reinventada várias vezes ao longo da sua existência.

    Aguardemos o fim das obras para poder apreciar esta nova versão (até quando? :-)) em toda a sua plenitude.

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  4. Com estas coisas dos "perfis", esqueci-me de assinar o comentário anterior e acrescento um facto curioso: note-se o brasão de Timor-Leste, no tímpano sobre a entrada. Este já não é o brasão oficial do país. Já foi substituído por outro (não sei porquê, mas não interessa). O problema é que agora ficou lá o antigo...

    H Correia

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  5. Na minha opinião o edifício ficou bastante agradável, só lamento terem derrubado a quase totalidade das árvores e arbustos em seu redor, será que não sabem fazer obras sem prejuízo da natureza envolvente ?
    E aqui nem se justificava, pois existe uma ampla zona de estradas envolventes que permitiam a instalação dos estaleiros de obras.

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