sábado, 12 de setembro de 2009

Nova China

Não!... Não se trata de uma notícia sobre a agência de notícias oficial da China, a Nova China. É antes, uma "estorinha" que dá uma certa imagem da nova China, aquela que produz toda a espécie de "fancaria" para as "lojas dos 300" (ex-escudos) mas também foguetões.
Eu explico.

Uma viagem de quase 13 horas entre Hong Kong e Londres dá para meter conversa com o parceiro do lado. Principalmente quando ele é chinês, tem cara de "bébé chorão" e fala em inglês com as "aeromoças" (valeu, L.?) chinesas em vez de falar... em chinês.

Roído pelo bichinho da curiosidade puxei a conversa até porque me fez (ainda mais) "espécie" o facto de o moço trazer como livro de leitura um intitulado... "Língua Latina"! Credo! Abrenúncio!... O que faz um jovem chinês andar com um livro de ensino de latim, língua mais que morta e enterrada?!...

Conversa puxa conversa, lá fui esclarecendo os mistérios (parte deles, claro...) que aquela personagem encerrava para mim.
Indagado sobre a idade --- "você parece muito jovem e para estar neste avião a caminho de Inglaterra é porque deve ir para lá estudar. Que idade tem e vai estudar o quê?" ---, perguntou-me que idade eu achava que ele teria... "21 - 22 anos!". Bingo! 21!
"E vai estudar? O quê?"
"Sim, vou para a Universidade de Edimburgo tirar o mestrado em linguística." E eu a julgar que iria estudar uma coisa mais técnica (uma engenharia, economia, whatever!...). "Tirei a licenciatura na Universidade de Línguas Estrangeiras, de Pequim, e sei falar italiano e um pouco de francês". Uau!...
Lembrei-me imediatamente de há cerca de 4-5 anos ter ido ter comigo ao Banco Central um chinês falando um português quase impecável. Era o adido económico da embaixada da China e disse-me que tinha aprendido português na Universidade de que este agora me estava falando e que o aperfeiçoara em Macau. É hábito do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China recrutar parte do seu pessoal "junior" na referida Universidade e colocá-los em serviço nos países que usam as línguas por eles estudadas.
Também este foi abordado para isso mas não quis seguir a carreira pois perderia parte da sua liberdade...

"Papo", para aqui, "papo" para ali, fiquei a saber que era de Cantão mas os pais viviam agora em Shenzhen, a cidade "aberta", "zona económica especial", encostada a Hong Kong. Por isso falava cantonense mas nos últimos anos, por estudar em Pequim, tinha falado principalmente mandarim. Isto é: poderia falar com as "aeromoças" em qualquer das línguas mas por a companhia ser de Hong Kong acabou por falar em inglês. Até porque, como se sabe, embora os caracteres sejam comuns a todas as línguas da China, a forma de dizer algumas palavras é bem diferente. Por exemplo, o (mais ou menos) "chié-chié" do "obrigado" em mandarim transforma-se em "m'koi" para os cantonenses...

Esclarecidos estes aspectos, havia ainda dois "mistérios" a eclarecer: porquê estudar latim e se os estudos em Inglaterra seriam feitos ao abrigo de uma bolsa de estudo.
Quanto à primeira questão, fiquei abismado com a resposta: "estudo latim como autodidacta, porque acho que é importante para compreender a civilização europeia!". Ora toma!
Quanto à bolsa, qual nada!... Não havia bolsa nenhuma! Há os pais a pagarem a (choruda) propina cobrada pelas Universidades inglesas!
E foi aqui que me lembrei da "nova China": pais que, devido à política oficial chinesa do "filho único" só têm um filho, "apostam" na educação deste ao ponto de lhe pagarem dois anos de estudo na Inglaterra. O que significa que têm recursos para tal! Fruto do crescimento da nova China!
Só não perguntei o que é que os pais faziam porque achei que já era bisbilhotice a mais... :-). Provavelmente são médios empresários ou quadros superiores de alguma empresa (mais provável) ou do Estado (bem menos provável).

Ali estava, com 21 anos, um retrato da nova China.

PS - e que tal os pais timorenses começarem a ter menos filhos para poderem investir neles o que os pais do Franco (o nome italiano que o chinês escolheu para si mesmo...) estão a investir?!...

1 comentário:

  1. Mais uma boa história, como é hábito do professor.

    Uma nota: a escrita chinesa tem duas ortografias - a de Macau, HK e Formosa (tradicional) e a da RP China (simplificada). A China fez uma reforma nos anos 50, tendo simplificado uma parte dos carateres.

    As diferenças entre o mandarim e o cantonês são de tal maneira que a minha professora de chinês (de Xangai) teve que recorrer ao português para se fazer entender, na primeira vez que chegou a Macau...

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