terça-feira, 19 de maio de 2009

Mais uma sobre moeda

Esta 'entrada' tanto pode estar aqui como, eventualmente, no nosso blog sobre a economia de Timor Leste. Porém, dado que vamos "falar" principalmente sobre factos históricos --- que não "estóricos"... --- achámos por bem falar do assunto aqui.

O tema é o da situação que se verificou no domínio do uso da moeda logo após o fim da administração indonésia e antes de ser implementada a decisão de que todos os pagamentos em Timor Leste deveriam ser efectuados em dólares norte-americanos.

O fim da administração indonésia trouxe como consequência que deixou de existir no país uma entidade emissora que abastecesse o mercado em meios de pagamento aceites por todos. Esta situação "sem rei nem roque" foi o ambiente em que, nomeadamente pelas mãos das tropas estrangeiras "libertadoras", começassem a ser usadas as moedas de outros países.
Sendo australiano o maior contingente militar não é de estranhar que os dólares australianos (AUD) começassem a circular em Timor com alguma intensidade. A escassez de rupias e a grande instabilidade do câmbio da moeda indonésia na ocasião acabaram por ser peça importante da crescente disseminação do AUD; os "internacionais" e os que com eles tinham maiores relações económicas "trabalhavam" quase exclusivamente nesta moeda. Era o caso dos restaurantes, por exemplo.
Para este grupo de agentes económicos as rupias pouco mais serviam que para pagar as corridas de táxi --- 10 mil rupias, taxa que, no essencial, ainda hoje se mantém...

Neste ambiente de "libertinagem moedística" ( :-) ) apareceram também em circulação moedas de outros países, nomeadamente nas zonas de aquartelamento das suas forças militares. Foi o caso, por exemplo, da zona de Manatuto, onde chegaram a ser usados bahts tailandeses devido à presença, na região, de militares deste país.

Esta situação verificava-se apesar de no início de 2000 a UNTAET ter optado por declarar como moeda nacional o dólar americano (USD). A dificuldade em abastecer o mercado com esta moeda, porém, obrigou a ONU a condescender com a continuação do uso de outras moedas, o que só veio a terminar em fins de Julho de 2001 com a publicação (20 de Julho) do regulamento que exigiu o fim do uso de outras moedas que não o USD.

Este foi também o momento do fim do uso dos escudos portugueses que chegaram a ser postos em circulação pelo BNU, que entretanto tinha reaberto as suas portas em Timor pouco depois da saída dos últimos militares indonésios.
O veículo para a entrada em circulação dos escudos foi o pagamento a cerca de 18 mil funcionários da (ex-)administração indonésia de uma soma de cerca de 35 contos a cada um, num total de mais de 600 mil contos. Este dinheiro, correspondentes a cerca de dois meses do salário médio na época, saiu do Fundo de Solidariedade com Timor Leste entretanto criado em Portugal. Ele correspondeu a uma filosofia de a potência "de jure" se substituir à (agora ausente) potência "de facto" no pagamentos dos salários que não foram pagos por "fuga" do "patrão".
O dinheiro foi distribuído um pouco por todo o país, segundo o local de residência dos beneficiários e por isso se poderá dizer que o escudo português terá sido (eventualmente) a moeda mais espalhada por Timor logo a seguir à rupia indonésia.

É sabido que os dirigentes timorenses preferiam que fosse adoptado o escudo português como moeda nacional. Pressões da ONU (leia-se "FMI") no sentido da adopção do USD --- fundamentadas em argumentos de natureza teórica e prática --- e o então já em marcha processo de entrada de Portugal na zona Euro --- com o inevitável fim da utilização do escudo --- ditaram a "sentença de morte" quanto à pretensão dos timorenses.
Portugal, por sua vez e por causa da referida adesão ao Euro, não estava em condições de ir contra a vontada da ONU. Faze-lo seria abrir aporta para os escudos serem depois trocados por euros e a moeda de Timor passar a ser esta --- o que nas circunstâncias locais não parecia ser boa solução.

O que aconteceu aos escudos colocados em circulação? A moeda metálica terá sido, no essencial, recolhida e cambiada por dólares ou rupias --- e "recambiada" para Portugal. Quanto às notas, o seu destino terá sido o mesmo mas admite-se que uma (pequena) parte delas esteja hoje no fundo de algum baú de um katuas ou a recato nas uma lulik por entretanto terem sido "promovidas" a material lulik.

PS - esta 'entrada' beneficiou significativamente de uma ajuda de RBF. Obrigado.

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