As flores são uma das paixões dos timorenses. Talvez não tão celebradas quanto a briga de galos ou o futebol, mas presentes em cada casa, cada cabana, nas aldeias mais distantes e até nas mais áridas. Esta é uma terra onde a água é um bem precioso; onde a maioria das ribeiras transforma-se em cascalho seco durante boa parte do ano. Ainda assim, as flores são carinhosamente tratadas, e sobrevivem até a chegada da chuva. E, quando as montanhas tomam a cor bege da poeira, e a maioria da vegetação está em dormência, as flores permanecem como uma desafiadora pincelada de cor nas casas. Como uma declaração de vida no fim da estação mais dura do ano, quando o sol forte num céu azul sem nuvens provoca ondas de calor sobre a terra poeirenta. É a estação em que a terra morre, e o mar torna-se mais azul e belo do que nunca. Turquesa contra as montanhas marrons, como se vê a caminho de Manatuto, naquele sítio em que a curva da estrada permite ver de repente o azul surreal do mar do alto da montanha. Irreal como uma CGI*, como o mar contra o deserto; ver a imensidão da água contra uma terra árida recorda-me de T.E. Lawrence ao descrever a chegada a Aqaba, após a travessia dos wadis da Jordânia.
A terra morre e renasce; passa pelas queimadas (naturais ou não) e revive como numa pintura impressionista, em pinceladas de verde sobre as montanhas.
Agora é o tempo do renascimento, a época das chuvas. A época em que as flores brotam por toda a parte. O tempo em que o céu se tinge de cinzento e o mar do marrom da terra arrastada pelas ribeiras. É também a época das chuvas fortes, que tudo arrastam. Das pontes que caem, das estradas cobertas de lama, dos deslizamentos de terra. A chuva traz vida, e também morte. E os agricultores quedam-se a esperar que as águas caiam sem violência, trazendo fartura em vez de fome. Um mundo à mercê dos elementos.
O meu jardim é um microcosmo dessa mudança. As chuvas vieram com força, e um dos canteiros foi literalmente levado pelas águas. As belas flores plantadas na época das secas, no ‘bailoron’ de Setembro, foram arrancadas pela raiz. As outras, em cantos mais protegidos, abriram-se numa explosão de botões brancos, amarelos, cor-de-rosa. E lá fui eu hoje, à procura de exemplares mais resistentes. Desde já algum tempo (acho que desde 2007, se me lembro bem) há uma pequena feira de plantas no Fomento, em Díli. Após alguma barganha com as vendedoras e conversa com as crianças delas, decido-me por levar dois vasos além dos que havia negociado. A mudança fez certa confusão às vendedoras, mas não a uma das crianças, que imediatamente apontou o preço correcto. Grande garoto!...
Esta é mais uma das mudanças que Timor trouxe para mim. Flores nunca foram um dos meus interesses, menos ainda a jardinagem. Nascida e criada numa terra onde a água é abundante e o verde das florestas invade até a maior das cidades, sempre vi as flores como um toque elegante num ambiente minimalista. Flores eram as rosas de cor champagne, o inusitado das Strelitzia ou das orquídeas num vaso desenhado pelos artesãos da Nuutajarvi. Após anos num mundo em que os rios amplos estão além da imaginação das pessoas, em que o cheiro húmido da floresta pertence àquelas lembranças que retornam nos sonhos, as flores passam a ser uma forma de remodelar o meu pequeno universo. De trazer cor e vida a um mundo árido. Não mais contidas em vasos, cortadas anteontem para amanhã murcharem, porém plantadas no solo, dando-lhe riqueza e vida. A dona da minha casa, feliz com a mudança, começou a trazer as suas próprias plantas e a amorosamente cuidar das que já existem. Será que este pequeno jardim sobreviverá à seca? Ou adormecerá sob um cobertor de poeira, despertando novamente com as chuvas de Dezembro?
*CGI = Computer Generated Image (imagem gerada por computador)
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Boa tarde
ResponderEliminarApesar de não ter a ver com a noticia optei por dar aqui a informação :
A Exposição das Bonecas de Ataúro em Lisboa será na Quinta-feira dia 12 de Fevereiro pelas 16h 30m na Embaixada da Republica Democrática de Timor-Leste, Largo dos Jerónimos em Belém.
Cumprimentos
João Tolentino