Timor pode ser gelado. Coberto de névoa. Com florestas de ciprestes e pinheiros.
Onde mora esse Timor tão diferente das praias dos mares do Sul? Dos atóis e das lagunas onde o mar é cálido e transparente? Esta é a parte mágica. E da “contradisaun”...
Sai-se da estrada costeira, a “via expressa” que conecta Maliana, no Oeste, a Com, no Leste, em qualquer altura entre Díli e Manatuto. Segue-se para o Sul, em direcção ao interior, e, em menos de 10 minutos, qualquer uma das estradas íngremes leva-nos para as montanhas. E, de repente, estamos num mundo totalmente diverso: uma sucessão vertiginosa de curvas, à margem de vales e precipícios. Um mundo verde, húmido, onde uma aragem fria é presença permanente.
Uma das estradas vai dar em Aileu, de lá indo a Ainaro e Manufahi. É o caminho do Ramelau e de Hatobuilico, a pequenina vila nos contrafortes da montanha mais alta de Timor. Ramelau, terra dos cavalos selvagens a caminhar pela montanha, teto da ilha.
A região de Ainaro traz surpresas. À volta da vila de Maubisse, ainda restam exemplares da flora trazida durante a época da colonização. Frutas europeias, como nêsperas e pêssegos, são vendidas à beira da estrada nos mercados. São quase desconhecidas da maioria dos timorenses, e há poucos compradores interessados. Uma pena, pois haveria muitos em Díli, a julgar pelo preço que custam nas (raras) vezes em que aparecem nos supermercados!
Uma outra estrada, menos palmilhada, mas que leva a um destino não menos surpreendente, corta Manatuto pelas montanhas. É o caminho de Soibada, que leva ao litoral Sul. Uma subida de muitas curvas, que vai dar em Laclubar, no alto da montanha, antes de descer serpenteando pelas montanhas para Natarbora.
A viagem até Laclubar não é exactamente o tipo em que se descansa: ao contrário, veículo e passageiros saltam pelos buracos, em meio a vales profundos e uma sucessão de montanhas, numa estrada flanqueada por goiabeiras. Laclubar, visível desde longe, surge entre as curvas como uma distante casa de bonecas.
A vila é um sítio aprazível. Ruas íngremes com casas grandes, algumas da época da colonização portuguesa. Flores e árvores frutíferas por toda a parte, alguns pés de café. A vila pode estar perdida no tempo e longe de tudo, mas a sua aparência é organizada e limpa. É uma terra de generosa hospitalidade: somos os amigos dos amigos da família, mas recebidos como reis. No fim da tarde fria, a chuva cai mansa lá fora, e sentamo-nos para um café quente com bananas fritas, na companhia da calma gente Idaté. O som das suas vozes é suave, as palavras mansas. Caso após caso, história após história, reminiscências de outras viagens vêm e voltam, e em pouco tempo encontram-se conhecidos em comum. A mágica de Timor; o mundo é pequeno, e nós, que viemos de muitos diferentes cantos dele, encontramo-nos neste cruzamento do Pacífico com o Índico.
Ao caminhar pelas ruas ao cair da tarde, encontramos um senhor:
-Para onde vais?
-Vou a Funar.
Funar é uma aldeia no alto da montanha, aonde se chega por uma trilha de cerca de 10km, que margeia precipícios e cruza uma ribeira. Desafio que poucos de nós fariam por esporte, e que muitos fazem sem pensar, todos os dias, em Laclubar, em Flecha, em Turiscai, em Bobonaro...
Brava gente das montanhas: ao andar pelas estradas antes do romper do dia, quantos não encontramos a carregarem os seus pertences, muitos com os seus pequenos cavalos, a percorrerem longas distâncias até a vila mais próxima, as crianças a caminharem até a escola. Gente que mora em pequenas aldeias, ajuntamentos de quatro ou cinco casas construídas da forma tradicional, e que se dirigem à vila para comprar ou trocar os objectos de que precisam. A mesma história repete-se ao longo de toda a região central de Timor, nos contrafortes das montanhas. Os caminhos são longos, neste Timor de estradas estreitas, aonde a distância é medida pelo tempo que leva a jornada. E a jornada faz-se a olhar para o amanhecer entre as montanhas, na mais mágica das horas, quando, em meio ao frio e à escuridão, o sol começa a brilhar por entre a névoa e ilumina os picos, criando a sensação de que se caminha no teto do mundo.