quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Chove a cântaros! E a chuva traz comida...

Tem chovido muito. E Timor está verde de novo. O milho está alto e cresce nos sítios mais inusitados: ao lado do campo de futebol, nas ribeiras secas, nas esquinas estreitas. É como se cada pedaço de chão voltasse à vida com a chuva.
É também o tempo em que há gente por toda a parte a vender milho e verduras, e os quiosques na praia ficam cheios à noite para vender “batar tunu” (milho assado) e churrasquinho de frango. É bom ver isso; ter famílias andando pela orla à noite significa a volta à normalidade.

Até agora não colocamos nada aqui sobre a cuisine de Timor, embora a última viagem dos malais juntos tenha sido precisamente para comer um tukir preparado em nossa homenagem nas montanhas. O tukir é a carne assada lentamente dentro do bambu na brasa. O resultado é muito bom.


"Tukir" assando na brasa dentro da cana de bambu (em cima); e pronto a comer, em baixo


Adoro a flor de papaia misturada com flor de banana. Aí já é um ponto polêmico: há quem não goste do sabor ligeiramente amargo da flor de papaia. Sabe muito bem junto a frango ou peixe, ou a uma mandioca frita quentinha, prestes a desfazer-se... A que é servida pela Fina, com o peixe grelhado e batata frita, dá um sabor especial à refeição. Aliás, foi a Fina quem me ensinou a comer as flores – o “modo fila” (verduras misturadas) dela.


Fina: com um sorriso destes só pode ser timorense...


Dizem que a flor de papaia pode diminuir as infecções pelo parasita da malária. Li há algum tempo atrás um artigo num jornal científico (http://www.ajtmh.org/cgi/reprint/65/4/304) que indicava um efeito potencialmente danoso de um dos componentes da papaia sobre o parasita que causa a malária. Uma lógica por trás do consumo da flor, que talvez tenha a substância em maior concentração?

Nesta semana, lá vou eu de novo a caminho da montanha. A meio caminho, comerei de novo o melhor peixe de Timor. Não se ofendam, Fina e pessoal do restaurante Victoria, mas o peixe que se come à beira da estrada em Behau, com catupas* de acompanhamento, é uma delícia!

Melhor ainda se a sobremesa for o fruto da palmeira vendido pelas crianças no local: a massa gelificada do fruto é um bálsamo para a boca, após o “sting” do picante colocado no peixe. Falta apenas uma saladinha para acompanhar. Quem sabe alguém resolve trabalhar com a comunidade local e desenvolver o negócio? Potencial não lhes falta!

Não é o único sítio. Guardo a lembrança de uma viagem a Wedauberek (na costa sul, em Manufahi) na qual fomos recebidos com imensa hospitalidade pela família de um dos colegas. A comida era maravilhosa: peixe assado, verduras, legumes e frutas. Comemos muito inhame, cará e mandioca cozidos, como café da manhã. São uma delícia misturados a um molho feito de tomate, pepino, cebola e picante (budu) que é muito comum aqui. Confesso que prefiro quando há pouco “chilli”. Mesmo após anos de Timor, o picante ainda não está na minha lista de sabores favoritos...

Há outras coisas deliciosas que só se comem nas regiões mais rurais, onde se escapa um pouco da obsessão pelo arroz que existe em Díli. Uma delas é o “akar”, um tipo de pão chato feito com a farinha do tronco da palmeira, que se assemelha ao chapati indiano e à tapioca brasileira.


Rapaz puxando um troco de palmeira para fazer akar. Note-se o "engenho e arte" no corte do troco para facilitar o transporte

Fotografia tirada na zona de Manatuto

É muito bom, e ainda assim, é a comida da fome em muitas aldeias. Lembro de uma visita a um lia-na’in (guardião das histórias e do conhecimento tradicional da aldeia), na companhia de um amigo timorense mais velho e muito sábio. Serviram-nos biscoitos indonésios, e trouxeram o akar com desculpas. Este amigo apontou-lhes o facto de que os biscoitos eram-nos fáceis de obter na cidade, e o que realmente seria uma iguaria nova para nós era precisamente o akar.

Em algumas coisas, Timor está no mesmo estágio de tantas outras nações, de valorizar mais o produto industrializado importado do que aquilo de bom que é natural da terra. É pena, mas é parte de um processo inevitável. Sei que, daqui a 20 anos, verei o inverso, e que as iguarias timorenses é que serão o alvo da valorização.

As frutas, verduras e legumes têm aqui um sabor mais intenso, às vezes mais doce. A papaia, o ananás e a cenoura são mais doces, menos “aguados”. Talvez resultado de um solo mais ácido, menos água disponível? Não sei, mas o gosto é melhor do que os de outros lugares. Adoro as melancias pequenas e redondas, de gosto concentrado. Porém, pouco se faz ainda com essas frutas. Quem me dera comer de sobremesa um sherbet de manga!

Como já é tarde e falar de comida dá fome...deixo-os a pensar nos sabores de uma terra distante (ou próxima?) e vou à procura do meu próprio jantar. Até mais!


*A catupa é o arroz cozido com leite de coco dentro de uma “trouxinha” trançada de folha de palmeira.

1 comentário:

  1. Não há direito!!!! Falar destas iguarias mesmo antes de ir almoçar... e aquilo que vamos comer não vai saber bem, depois destas iguarias que nos mostraram.
    Mas é bom recordar as coisas boas de um país, Não deixem morrer as tradições.
    Um abraço nosso.
    José Gomes

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