quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

E viva Bobonaro!...


Viajei muito por Timor nestes anos em que cá estou. Algumas viagens foram legítimas aventuras, ao visitar sítios lindos e ter o gostinho especial de saber que a maioria dos visitantes nunca lá foi. Isso é uma das melhores coisas de Timor: caminhar por uns dos lugares mais lindos do mundo sem ter de o fazer em meio a uma multidão de turistas. Existe coisa mais desanimadora do que chegar a Angkor, no Cambodja, e encontrar o Bayon literalmente coberto de gente?
As praias são tão lindas nesta terra que tendemos a esquecer das montanhas. No entanto, foi ao percorrer as montanhas que fiz uma das viagens que mais lembranças marcantes deixou para trás. Há quase dois anos, fui com uma equipa
de trabalho a Bobonaro e Covalima, seguindo uma das rotas mais belas que alguém pode fazer em Timor-Leste. Amo a vista de Bobonaro ao sair de Maliana, logo que o sol nasce, com as montanhas ainda cobertas de névoa e o frescor que torna a madrugada a hora mais agradável do dia.
O panorama na fronteira dos distritos, nos altos de Zumalai, é de tirar o fôlego. Tanto o Tasi-feto
(mar das Sundas, a norte de Timor) quanto o Tasi-mane (mar de Timor, a sul da ilha) são visíveis do alto das montanhas, antes que a névoa desça.

É um caminho vertiginoso, e, em alguns trechos, começamos a nos perguntar se seria possível retornar pelo mesmo trajeto da ida (disseram-me que está muito melhor agora, todavia). Tirei lá algumas das minhas fotos favoritas, que mostram um Timor muito verde, sonhador em meio à névoa que o cobre. Aldeias espalhadas pela crista da montanha aumentam o charme da paisagem. Lembro particularmente de uma delas, Lepo, onde fomos muito bem recebidos pelos professores da escola local. Homens mais velhos, gentis e atenciosos, de fala doce com as crianças, e que tentam fazer o melhor pelo seu país.

Ao descer para a planície, o clima fresco muda aos poucos, incorporando o calor húmido, até chegar às praias de areia cinzenta de Suai. As ondas do ‘Tasi-mane’ são como ecos do Atlântico distante, e trazem a lembrança de que o mar pode ser diferente da placidez do Pacífico. Não vi os crocodilos de Suai Loro, uma pena! Impressionante que já tenha vivido cá há tanto tempo, e, nem aqui nem nos parques nacionais australianos, tenha visto um croc ao vivo e a cores.

De Suai Vila, fomos a Fatululik, na fronteira. Ao condutor, meu anjo da guarda em várias viagens, devo gratidão e respeito: foi a sua habilidade que nos levou e trouxe inteiros, por uma estrada realmente ‘daunting’. Lá, pela primeira vez, vi alguém a ir à caça com uma lança: um senhor já idoso, vestido à moda tradicional. Uma viagem no espaço e no tempo.

A fronteira de Fatululik é uma das imagens mais belas que tenho de Timor: uma ribeira cristalina flanqueada por pedras brancas e encostas verdes, saída da Rivendell do ‘Lord of the Rings’. Do outro lado da colina, sobe-se até o posto da fronteira, perdido em meio às nuvens baixas. Um lugar tão belo quanto isolado, que me fez pensar porque é que insistimos em permanecer em Díli.

Guardo dessa viagem as lembranças de lindas paisagens, mas, para além disso, da camaradagem e do riso com meus companheiros de caminho. Chamaram-me a atenção para coisas que doutra forma não veria, responderam às minhas perguntas com paciência e rimos juntos das nossas diferenças, descobrindo semelhanças e gostos. Aprendi a procurar lenha à beira do rio e eles, a partilharem da minha paixão pelas batatas fritas. Alguns são colegas próximos até hoje, e, há coisa de uma semana, ao trabalhar junto com um deles, vi no seu ‘desktop’ uma foto que tiramos em grupo nas montanhas, naquela viagem. Sorrimos juntos, com saudade partilhada por momentos bons.

Esta crônica é para a minha ‘alin Timoroan’, que nessa viagem, como em outras, fez tudo o que pôde para fazer a sua ‘biin’ nascida do outro lado do mundo sentir-se bem-vinda e querida nesta terra de encontros. Nia agora dook hela, maibé ha’u fiar katak loron ida sei fila fali ba rai furak ne’e no sei matenek liután. Karik, iha loron ne’ebá, nia sei ba fali fatin dook hanesan ami uluk ba hamutuk no loke dalan ba mudansa atu mai.

Imagem do Google da montanha Cailaco, na região de Bobonaro, retratada na foto anterior

2 comentários:

  1. Senti-me conduzido por uma terra que conheço apenas oralmente (transmitido por familiares e amigos). Desta vez senti-me viajar em pelo território, bem guiado pela vossa narrativa.
    As fotos ajudaram a centrar a acção. No final deparei-me com um parágrafo em tétum...torci o nariz e deixo a tradução para quando chegar a casa e pedir à minha mulher a tradução!
    Continuem, eu espero mais trabalhos como este.
    Aquele abraço,
    José Gomes

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  2. Em 1954-55, quando estive em Timor com meus pais, o meu pai era comanandante do Esquadrão de Cavalaria de Bobonaro, estávamos na praia do Suai, quando tívémos de a abandonar apressadamante, porque os crocodilos vindos do mar, começaram a invadir a praia. Luis Mateus de Magalhães

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