quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Das artes em Timor Leste: os 'tais'

O que aproximou os dois 'malais' autores deste blog foi a paixão comum pelos tais. Tais são os tecidos feitos à mão que se transformaram num dos sí­mbolos de Timor-Leste. Para nós, são também o caminho mais rápido para a falência, uma vez que nos tornamos frequentadores compulsivos das feiras de artesanato e as nossas respectivas casas encontram-se cobertas por estes 'mantos do Olimpo'.
Curiosamente, não foi uma paixão à primeira vista. Muitos dos tecidos à venda em Dili são exemplos pobres e de mau gosto da arte magní­fica da tecelagem local. Cores misturam-se de forma pouco harmoniosa, a trama é mal acabada, etc.
É ao frequentar as feiras locais e conversar com as tecelãs que se descobre o quão belos eles podem ser. Depois de algum tempo, um olhar diz de onde vêm, e,algumas vezes, até quem os teceu. E passamos a nos perguntar quais histórias são contadas através daqueles desenhos: os galos, os crocodilos, a tartaruga, os anjos, os cavalos...
Amo o carácter único dos tais, a personalidade de cada um. Imagino o que pensou a tecelã que sentou em frente ao tear por semanas ou meses para o fazer, porque escolheu aqueles desenhos e cores. Alguns são delicados e macios, outros pesados e bordados como as tapeçarias europeias da Idade Média.
O tais é também uma das roupas mais elegantes que conheço. Porém, como o sarong, requer uma esbeltez e graça que estão em falta entre a maioria das ‘malais’. Quando usado pelas timorenses, remete à elegância das técnicas usadas nas estátuas gregas. Às ‘malais’ resta o consolo de usar as selendas (scarfs). A minha favorita é uma obra de arte vinda de Viqueque, esplendorosamente bordada, que já causou inveja a muita gente!
Com o tempo, descobri que o tais é um elemento de ligação com o resto da Ásia. As ilhas vizinhas a Timor sã notórias pela beleza dos seus tecidos. Má sorte que o meu colega neste blog nunca lá tenha andado! É interessante que os ikats da parte ocidental de Sumba (a ilha seguinte a Timor, na direção Oeste) são muito parecidos aos de Timor-Leste. 'Ikat' é o nome convencional de um dos tipos de ‘tais´ na Indonésia, nomeadamente aqueles cujos desenhos são criados no processo de tingimento.
Ainda hoje, ao acessar a um ‘site’ sobre trabalhos nos contrafortes das montanhas do Paquistão e do Afeganistão, surpreendi-me ao ver que o endereço electrônico da organização seja 'ikat.org'. O ‘site’ é assim chamado justamente por causa dos tecidos locais. Tão longe e tão perto, dos ‘tão’ à Indonésia --- a palavra provavelmente tem raiz indiana.
Há agora uma tendência de se fazerem tais com motivos mais simples e fabricar objectos com pedaços de tais: caixas, cadernos, bolsas, etc. Alguns resultados são bons. Noutros casos, confesso que dá pena ver o que provavelmente foi um vestido magnífico ser retalhado para se tornar numa bolsa, que será descartada dali a uns meses. Reconheço a necessidade de diversificar as actividades económicas, e que a tradição tende a ser perdida quando não há um retorno financeiro (“É a economia, estúpido!...”, como diz o colega ‘malai’). Sei que estou a olhar para um mundo em transição, e que algumas coisas serão fatalmente perdidas no meio do caminho. Por outro lado, fico feliz quando vou à loja da Fundação Alola e vejo lindos exemplares de tais feitos à maneira tradicional, com o algodão cardado e tingido manualmente, obras de arte a serem reconhecidas como se deve. Afinal...se um tais de qualidade feito em Timor alcança preços consideráveis em Bali --- basta visitar Ubud para o comprovar --- deve haver um mercado para isso.
Aliás...se alguém souber onde é que se encontram os tais de Cassa (Ainaro), é favor avisar! O grupo de tecelãs de lá simplesmente desapareceu das feiras culturais e da loja da Alola.
Outra mania nossa (mais recente que a dos tais...) é procurar os melhores exemplares do artesanato timorense em metal. A qualidade varia muito --- às vezes, deve ser 90% de folha de Flandres mesclado a prata. Todavia, há coisas lindas feitas em prata de alta qualidade: pulseiras que se tornaram um dos presentes favoritos para dar às amigas que estão de partida, caixinhas delicadamente trabalhadas, adornos tradicionais. Há uns tempos atrás, apareceram no mercado dos Tais (nosso centro comercial de artesanato favorito) alguns 'keke' (braceletes) extremamente trabalhados, de grande beleza. Da mesma forma que apareceram, sumiram (não sem antes termos comprado vários, felizmente!). Não sei de nenhum projeto a ser realizado nessa área, e pergunto-me o porquê já que parece haver muito potencial nessa área.
Há muito talento artí­stico em Timor-Leste, e não está só no artesanato: está na poesia do Abe, nas fotos do Nelson Turquel, nas músicas dos “Cinco do Oriente”, e em tantos mais. Como numa jornada de percepções, nas quais, aos poucos, nossos olhos e ouvidos se abrem e começam a perceber quanta beleza há neste mundo tão diferente daquele de onde viemos.

3 comentários:

  1. Conheço alguns "tais" que são uma maravilha! Pena que o peso do tempo e os maus tratos que sofreram que se faça sentir no tecido.Mas que são uma beleza, ai isso são!
    sei de uma pessoa que se visse em mãos com tanta variedade lá ficaria a bolsa, os aneis e talvez os dedos.
    Timor é, realmente, muito rico em artesanato... pena +e que as modernices estejam a envenenar as tradições. Mas se o pessoal gosta e se vende, o que se deve fazer?
    Belo trabalho, o vosso.
    Um abraço e... até ao próximo artigo.
    José Gomes

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  2. Tomei conhecimento da existência deste blog graças a uma referência no "TLN". O meu obrigado aos seus colaboradores.

    Quero felicitar os autores deste blog das "Contradisoens" pela feliz ideia que tiveram de não escolher a política para seu objeto.

    Com efeito, Timor é uma terra tão rica que é um crime não se divulgarem as suas muitas riquezas.

    Gostei muito deste artigo sobre os tais, tal como gosto de todo o conteúdo do blog.

    Em relação aos tais, se não estou em erro, antigamente eles não eram objeto de compra e venda mas objeto de valor simbólico, que era oferecido como sinal de distinção a uma determinada pessoa. Só assim poderia sair da família de que era originário, de cujo património fazia parte, passando de geração em geração. Receber um tais era uma honra, tal como oferecê-lo.

    Os padrões dos tais variam muito de região para região e dentro destas há pequenas variações consoante se trata de peça de vestuário masculino ou feminino.

    Atualmente, assistimos a uma comercialização dos tais, o que tem aspetos bons e maus, como se diz no artigo. O lado bom é Timor poder compartilhar esta sua riquíssima manifestação cultural com os malais. Outro aspeto positivo é poder tornar-se uma fonte de receitas para os timorenses. Mas, como também se diz no artigo, é preciso saber adicionar valor ao tais e não o banalizar com simplificações grosseiras, técnica e esteticamente falando, pois isso até os chineses fariam e bem melhor.

    Parabéns e um abraço.
    H. Correia

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  3. Gostaria de saber se me pode facultar um contacto pois estou extremamente interessado em saber algumas informações sobre os TAIS.
    Agradeço desde já e parabéns pelo blog.
    Cumprimentos
    F. Silva

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