sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

"Em busca da casa perdida", uma "estória" em Bobonaro

Ao meu colega JBB "menino e moço o levaram de casa de seus pais" para Bobonaro, do outro lado do seu mundo.
O pai, então militar, tinha sido colocado como comandante do famoso "esquadrão de cavalaria de Bobonaro", em que os soldados eram quase todos timorenses.
Regressado a Portugal há cerca de 50 anos, disse-me que nunca mais esqueceu nem as montanhas da região nem a casa onde viveu mais de dois anos, chegando mesmo a sonhar com as primeiras.
Há já alguns anos que me tinha pedido para lhe arranjar fotos da região, de Bobonaro e da casa mas a verdade é que, depois de algumas tentativas frustradas, desisti. Até que disse para comigo mesmo: se Maomé não vai à montanha, vai a montanha a Maomé...
Excursão combinada, partimos (eu e o meu amigo Pedro, outro setubalense em Timor) um dia do City Café (minha "casa" habitual em Dili) e metemo-nos à estrada para o que se adivinhava vir a ser uma longa viagem --- em quilómetros e em horas (estas são, aliás, a principal medida de distância em Timor... Quais quilómetros, quais carapuça!...).

Saindo pela "Dili Rock", a porta de Dili a ocidente, lá fomos de "fó-by-fó" (leia-se "4x4"...) a caminho de Bobonaro a fim de encontrar a casa onde vivera o meu colega e fotografar devidamente casa, montanhas e o que mais nos aparecesse pelo caminho.
Passados os "fornos de sal" de Tibar, as 3 ribeiras (secas, secas, secas...) de Liquiçá (ou Likisa), o forte de Maubara, a ribeira de Loes e toda a costa até Batugadé, virámos para sul a caminho da Maliana e, depois, de Bobonaro. Esta vila dá o nome ao distrito de que a capital é agora Maliana. Juntamente com o distrito do Suai são os distritos mais ocidentais de Timor Leste --- sem contar com Oecussi ---, fazendo fronteira com a província indonésia que compartilha a ilha.

Depois de uma visita ao mercado e de passarmos junto ao cemitério onde se vê a campa de um liurai local morto durante a ocupação japonesa, seguimos pela estrada --- pois: estrada é mais alcunha que outra coisa... --- a caminho de Bobonaro "city".

Maliana: mercado
Maliana: campa de liurai no cemitério

Para lá chegarmos temos de subir parte da montanha de Cailaco (vd imagem do Google no final da mensagem abaixo). Da estrada dá para ver a extensão do chamado vale de Maliana zona agrícola fértil e bem irrigada de águas, onde se produz parte do arroz de Timor.

Vale de Maliana visto da estrada para Bobonaro;
note-se a extensa queimada no primeiro plano

Contraforte do Cailaco, à saída de Maliana para Bobonaro

À medida que nos aproximavamos do Cailaco, qual "costeleta em pé" como costumo descreve-la, aconteceu-me o que já tinha acontecido da outra vez, em 2002, em que tinha andado por estes lados: a montanha parece ter um feitiço especial que faz com que eu não consiga tirar os olhos dela enquanto estou à sua vista. É uma paisagem de tirar o fôlego, aquelas vertentes quase a pique verdejantes. Não há hipótese: não consigo desviar os olhos, como que procurando reter a sua imagem na retina per omnia secula seculorum. E-S-M-A-G-A-D-O-R-A!

Cailaco, a "costeleta em pé". E-S-M-A-G-A-D-O-R-A!

Pelo caminho demos com uma família construindo uma casa, vendo-se na foto abaixo a estrutura de paus que constitui o telhado e o trabalho de cobertura do mesmo com colmo.


Mais à frente, já no início da estrada que desce para Bobonaro, demos com uma "anguna" parada para substituir um dos pneus. A "belezura" do pavimento da estrada --- ah! ah! ah!... Chamar estrada "àquilo" é giro... --- tinha feito das suas...

E finalmente chegamos a Bobonaro. Autenticamente parada no tempo, a vila é hoje uma sombra do que deve ter sido no passado, com muitos edifícios em péssimo estado de conservação, nomeadamente os de natureza administrativa do tempo da administração colonial portuguesa. É pena que estejam tão longe e seja tão difícil lá chegar; a recuperação da cidade poderia fazer dela um quase que museu ao ar livre que atrairia muitos turistas.


Com as indicações de um "bobonarense" ( :-) ) falando um português fluente, fomos "em demanda da casa perdida", afinal a causa de tão longa viagem.
No final da rua principal, ela aí está à nossa frente! Com dos 13 degraus que o JBB se tinha cansado de referir: "Olha que tem 13 degraus! Conta-os para ver se é verdade ou não!". É verdade, sim, pá!
O que nos chamou a atenção foi o belíssimo estado de conservação em que se encotnra. Será mesmo a melhor casa da povoação. O "mistério" foi esclarecido depois: a casa foi entregue e está à guarda dos irmãos claretianos da missão no local.

Aqui está a casa, causa de uma jornada de cerca de 11h de Dili a Dili.
Abaixo a "Monstanha da Mesa", uma das que povoam os sonhos de JBB

O JBB tinha-me dito que a casa era próxima do antigo comando do quartel, onde o pai trabalhava, a meros 50 m de casa, e da entrada do próprio quartel.
Esta é constituida por um portão com dois pilares encimados pelo escudo português. Um deles já despareceu e o outro está em muito mau estado de conservação, meio destruido.


Passado o portão, dá-se com uma pequena ladeira que desce para o terreiro, grande, onde estão as diversas instalações do quartel. Algumas foram construídas pela adminsitração indonésia.


A nossa (minha) missão estava cumprida. Podia agora iniciar a viagem de regresso a Dili. Porém e porque estavamos perto, decidimos dar uma saltada às famosas Termas de Marobo (hoje em ruínas). Mas isso fica apra outro dia que esta crónica já vai longa.

Quando, regressado a Dili, enviei as fotos ao meu amigo, recebi como resposta um "muito obrigado" e a confirmação do que eu já suspeitava que acontecesse: as lágrimas vieram-lhe aos olhos! Saravah, JBB!

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