sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Primeira "estória" (era uma vez...)

Desde o ano "longínquo" de 2001, quis a vida que eu tivesse passado cerca de metade do tempo em Portugal e outra metade em Timor Leste.
A minha primeira estada mais prolongada no país foi em 2001 e 2002, período em que estive trabalhando para o PNUD, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
Durante esse tempo tive a oportunidade de lidar mais de perto com alguns colegas, internacionais e timorenses. Um destes era (é) um dos motoristas, o Sr. Lino.


Homem bom, de sorriso fácil, ficava satisfeito por poder exercitar o seu enferrujado (mas muito razoável) português ao falar comigo --- eu e a Rosa Valente éramos os únicos portugueses e lusófonos no pedaço, sendo a "língua de trabalho" o inglês.
Cerca de uma semana antes da despedida, em Fevereiro de 2002, o Sr. Lino veio ter comigo e com o ar meio encabulado que sempre tem, começou a contar-me um pouco da história da vida dele.
Fruto de uma relação entre um soldado português e de uma timorense "lá para os lados" de 1961, o pai ao regressar a Portugal quis trazer o "rebento" consigo mas o tio (materno) pôs como condição que o pai construísse uma casa para a mãe.
Por falta de tempo ou daquilo com que se compram os melões ou por outra razão a casa não foi construída e ele ficou com a mãe.
Até 1975, aquando da invasão indonésia, ainda havia uma carta para cá, outra carta para lá, e lá ia sabendo do pai. Só que na sequência da invasão teve de fugir com a mãe para as montanhas e quando regressaram a casa em que viviam tinha sido saqueada e queimada e lá se foi o endereço do pai. A partir daí a comunicação entre ele e a mãe, por um lado, e o pai, por outro, deixou de se fazer e ele perdeu o rasto do pai. Sabia apenas que o último endereço era de Pombal. Além do nome completo do pai, claro.
Depois de me contar isto pediu-me para, depois de regressar a Portugal, tentar saber se o pai era vivo ou morto pois ele gostava de saber dele. Afinal pai é pai, né?!... No entanto lá foi dizendo que calculava que fosse quase impossível pois amigos lhe tinham dito que só sabendo o endereço exacto é que tal seria possível.
Naturalmente acedi ao seu pedido mas, rapaz despachado, procurei resolver o assunto dali mesmo.
Foi assim que contactei pessoa amiga em Portugal e pedi-lhe que, através das informações telefónicas, tentasse saber o paradeiro do "desaparecido" pai do Lino. Bem dito, bem feito, no dia seguinte recebia a mensagem de e-mail com todos os pormenores do endereço e com o número de telefone. Esperei que se fizesse dia em Portugal e liguei para cá.
O pai do Sr. Lino confirmou a história toda e perguntado se via inconveniente em dar o contacto dele ao filho disse logo que não.
Gostava que vissem a cara do meu colega quando lhe disse, menos de 24h depois de ele me ter feito o pedido, que tinha descoberto pai e que já tinha falado com ele. Tudo isto acompanhado da entrega do papel com o número de telefone. A cara dele era um mito de alegria e de espanto. Alegria por saber que o pai estava bem e que poderia falar com ele, espanto por o "malai" ter conseguido em menos de 24h o que ele não conseguira (por razões compreensíveis) nos últimos 25 anos. Parece-me que estou a ver a cara dele a pensar "estes malais portugueses têm poderes milagrosos!...".
Passados dias realizaram uma festinha para a minha despedida. E lá estava o bom do Sr. Lino, sempre com o seu melhor sorriso e o ar meio encabulado.
Fui ter com ele e perguntei-lhe se já tinha telefonado ao pai, ao que ele me respondeu que não (pergunta tola a minha: um telefonema para Portugal para matar saudades do pai custar-lhe-ia uma fortuna... Claro que não tinha telefonado!)
Não lhe disse nada e saí da sala onde se realizava a festa e liguei para o pai, perguntando se estava disponível para falar com o filho, ao que me respondeu imediatamente que sim. Foi então que chamei o Sr. Lino e lhe disse que o pai estava ao telefone para falar com ele. Ao fim de 41 anos! Pela primeira vez na vida! Os olhos dele brilharam e o sorriso escancarou-se ainda mais. E por ali ficou na conversa com o pai cerca de 20 minutos. Estava feliz!

Mas a história não acaba aqui. Regresado a Portugal deparou-se-me a oportunidade de passar por casa do pai a quem entreguei um conjunto de fotos do filho e respectiva família (esposa e 7 filhos!...). Aproveitei para tirar fotos do pai e do meio-irmão (nascido posteriormente em Portugal). O curioso é que o pai tem --- coisa que deconhecia... --- mais família em Timor que em Portugal: um filho em cada lado mas quanto a netos os timorenses ganham por 7-1!
Essas fotos foram depois entregues ao Sr. Lino e hoje têm honras de lulik na parede da sala da casa dele.

Coisas da diáspora portuguesa...

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